Sunday 25 September 2011

“A vingança das carapinhas, afros, black powers, crespos e dreadlocks”...Trança-se os cabelos mas não os miolos: PARTE 4-FINAL

Foto: Camella Wilson
Um dia, em tempos já muito remotos, quando os animais e os homens ainda eram todos bons e não faziam mal uns aos outros, a Na Ndumba foi procurar a Na Mbalu 
e disse-lhe:

 - Salve, Senhor Coelho. 

- Salve também a vós, Senhora Leoa.

(adaptação da fábula lunda/chokwe, Angola)



O episódio deu-se durante a minha infância, academia das minhas inspirações e sinfonia das minhas idéias.

Após uma refeição na casa de amigos, a família, o pai, a mãe e três filhos, terminaram por satisfazer as suas curiosidades e desejos, trocando de vez em acariciar a minha pele.

Estranhamente, não teria sido a primeira vez.
E a mesma fascinação foi prolongada pelo tocar e o amaciar dos meus cabelos, em admiração deslumbrante!

Fui testemunha do brilho, da luz viva e da vivacidade de espíritos nos seus rostos.

Senti-me como um objeto....sagrado!


A futuridade trouxe muitas outras experiências, mas nem todas foram do meu agrado.

Os nossos cabelos encaracolados, por vezes recusados por nós próprios, nos idiomas dos nossos antepassados refletem um respeito profundo e dignidade da nossa aparência.

Desde o idioma Suazi ao Swahili, o significado da palavra cabelo é usado no mesmo contexto que o algodão, lã ou colmeia (cortiço de abelhas preparada naturalmente por elas).

Em Angola, existem vários povos bantos que denominam as nossas carapinhas, afros, black powers, crespos e dreadlocks, divinamente de Kindumba.

“Ki” sendo um prefixo de aumento e “Ndumba” a palavra para identificar o destemido Rei Leão.

Kindumba, a juba do leão, cabelo de negro...


A palavra é usada para ambos os sexos, sendo um dos símbolos favoritos de beleza e liderança entre muitos  povos africanos.

Sinônimo com guerreiros e imperadores, riqueza, poder, autoridade, fraternidade, fortes laços familiares, força, coragem, energia, auto-realização, energia feminina, cooperação, comunidade, criatividade, intuituição, imaginação, auto-controle, força pessoal, equilíbrio, lealdade, justiça, sabedoria, ferocidade, sol nascente, enfim...

                                         Foto: Marianne Rocha

Nós somos reis e rainhas, príncipes e princesas e os cabelos que nos acompanham desde o dia em que nascemos são as nossas coroas.

Não devemos permitir nem adotar doutrinas, modos de vida ou religiões, em que somos impedidos de reverenciar os nossos ancestrais.

Que seja o nosso dever infinito e obrigação em honrá-los,  juntamente com os legados herdados, começando por reconhecer e valorizar as nossas expressões culturais em todo esplendor.


"Enquanto o leão não contar a sua história, a glória será sempre do caçador"  Proverbo africano.

 

Thursday 22 September 2011

Trança-se os cabelos mas não os miolos PARTE 3

“Toda mulher negra tem uma estória sobre tranças com missangas coloridas ou de búzios.”


A Dona Carmen  Wijk é uma vizinha idosa, neta de escravos do suriname, antiga Guiana Holandesa, no sul do continente Americano.

Com 86 anos de idade, tem mais de mil estória que contar, claro.

Qualquer audiência serve e os relatos são quase sempre infinitos.

O que mais me impressiona sobre ela, seria uma das suas fotos dos tempos de outrora, que insiste, de um modo repetitivo, em me mostrar.




O retrato é de uma avó africana, conhecida entre familiares como avó Cambuta. A avó Cambuta ensinou-lhe a manha de entrelaçar os cabelos.

De acordo com a Dona Carmen, por mais negativa que a experiência tivesse sido para algumas meninas, as mulheres das famílias plantaram nelas o que viria a ser um ponto crucial no reencontro com as suas raizes africanas.

A senhora procedeu em contar que todas as suas filhas, netas e bisnetas fizeram e ainda fazem uso das missangas, de acordo com as suas cores preferidas, refletindo as suas personalidades.

Adoro quando ela recita o que considero poesia:


“Quem não se lembra do Mister I just called to say I love you e as
suas tranças com missangas e pedaços de bambu? O Stevie foi um dos motores por detrás do nosso orgulho...Ai daquele que me vier falar mal dele!”.


São tantas as perguntas que me faz, quase sem deixar espaço para respostas, que da última vez que me encontrei com umas das suas netas, dei-lhe um pedaço de papel com todas as informações que conheço.

Nota:

Cara Dona Carmen Wijk ,

Na diversidade e agilidade da vida, nem sempre somos sortudos em encontrar explicações para tudo que seja parte do nosso cotidiano.

Mas as missangas, como os búzios, sempre fizeram parte da expressão da nossa beleza.

Achei fantástico quando mencionou que todas as suas filhas, netas e bisnetas usam missangas de acordo com as suas cores preferidas e que refletem as suas personalidades.

Desde os povos Kwanyamas do sul de Angola, aos Xhosas e Zulus da África do Sul, existem códigos complexos usando missangas coloridas.



Por exemplo, a cor Verde=contentamento e nova vida; Branco=amor spiritual, pureza; Preto= casamento, renascimento,idade e sabedoria; Amarelo= riqueza, fertilidade; Rosa= promesa; Azul=fidelidade e solicitação e Vermelho= amor, realeza e forte emoção.




Em relação aos búzios, a parte detrás de uma concha se assemelha a um órgão sexual feminino. 
A parte frontal é moldada como o abdômen de uma mulher grávida. 

O significado não é erótico, mas representa o milagre da vida.


Espiritualmente, segundo a lenda Africana, a atração aos búzios, nos liga a um espirito do oceano da riqueza e da terra. 

Também representa a protecção de uma Deusa poderosa.


Em quase toda a África tradicional, o búzio simboliza o poder do
destino e da prosperidade, humildade e respeito.

Antes que me esqueça, o nome da sua avó Cambuta, significa uma pessoa muito energética e de estatura baixa, no idioma kimbundu do norte e do centro de Angola.


Agradeço a sua atenção.

A. Kandimba



Duvido que seja novidade para tal idade e sabedoria, mas quem sabe!

Thursday 15 September 2011

Trança-se os cabelos mas não os miolos Part 2

Foto: Leticia Enne













Para os bem intencionados leitores da primeira crônica…

O encanto de entrelaçar cabelos é uma arte de fascinar serpentes. E como tal, require inúmeras horas de dedicação, concentração e imaginação do artista.
Elas transmitem uma mensagem cultural desde as descobertas das pinturas nas montanhas do deserto de Sahara, cerca de 3000 A.C., no Norte de África.

Expressões religiosas, laços de consanguinidade e de aliança, posições sociais, idade e identidade étnica, fazem parte do atributo vasto e do simbolismo do cabelo trançado.



Sona (plural de lusona),  são desenhos geométricos feitos com um só traço, oriundos de uma grande tradição angolana dos povos Lunda-Chokwe e que ilustram provérbios, fábulas, jogos, animais, enigmas e matemática.

Citados recentemente pelo cientista e pesquisador matemático norte Americano, Dr. Ron Eglash , após intensas pesquisas em diversas sociedades tradicionais Africanas, o cientista realçou, o que tem sido essencialmente praticado e transmitido a centenas de anos e de geração a geração, que uma grande parte dos desenhos culturais são realmente baseados em princípios matemáticos.

E como qualquer outra arte africana, as tranças e penteados, demostram  o uso de diversos conceptos como geometria, a tradução, a rotação, a refleção e a dilatação.

O título, “trança-se os cabelos mas não os miolos”,  exclue qualquer sentimento nacionalístico. Basea-se numa mensagem e troca de ideias dirigidas a todos, principalmente para os que mais fazem uso delas, os Africanos do continente e os negros das diásporas.

Realmente existem tranças, e de uma presença robusta, que refletem modelos vindos da África Ocidental (Nigéria, Benin, etc). Tal fato jamais será negado!

Mas o meu manifesto foi e persiste, que nem todas pertencem exclusivamente a matriz cultural academicamente denominada  de Yoruba - Nagô.

Foi uma importante propaganda para as tranças no Brasil. Foi nos anos 70. Foi a época que esta ideia ‘supremacia Nagô’ ficou popular no Mov. Negro. Tudo passou a ser ‘Nagô’ nesta época.
Spirito Santo

As tranças especificamente denominadas de Nagô , são uma expressão típica da nossa negritude. Encontram-se com variedades em quase todos cantos do continente africano, como igualmente nas suas diásporas.

Elas fizeram parte do Império da Etiópia, desde a história bíblica sobre a rainha Sheba (também conhecida por Makeda) e do Rei Salomão.

Os Etiopos são dos povos Africanos que mais as cultam, chamando-as de  Sheruba. ( ver pintura antiga)






A Imperatriz  Taytu Betul (c. 1851 –  1918), esposa do Imperador Menelik II e os  Imperadores Tewodros II (c.1818-1868) e  Yohannes IV (1837 – 1889) , teriam sido os que mais reforçaram a popularidade das mesmas tranças, fazendo-as de uma certa forma, um símbolo de realeza.

A Imperatriz  Taytu Betul (c.1851–1918), esposa do Imperador Menelik II.
O  Imperador Tewodros II (c.1818-1868).











Emperador Yohannes IV (1837 – 1889).












AtitudesNegra Tranças, Rio de Janeiro : acredito, mas na sua opinião qual seria o nome correto para as tranças?

Não declaro que possuo os nomes “corretos” de tranças e penteados, mas sem dúvidas que existem outras opções mais apuradas.

Encontro-me longe das intenções de disvalorizar os trabalhos e projetos orgulhosamente realizados ao longo dos anos, por descendentendes de africanos nas suas respetivas comunidades.

Ao contrário! A continuaçao da herança de trançar os cabelos, tem sido um dos pilares mais visíveis e efetivos na questão da auto estima, ligação ancestral e reafirmação de identidades.


O que de uma maneira comum se chama de tranças Nagô, apesar de refletir objectos de tecer, possue fortes assemelhações e vínculos históricos e culturais com o grão que se faz fubá, o milho.

Fúba em Angola.

Os negros norte Americanos optaram desde os anos 50, por identificar as tranças simplesmente e de uma certa forma mais próxima do pensamento dos seus antepassados, de cornrows, Linhas de milho...tranças de milho.

“Seu cabelo, seu estilo”


































Trança-se os cabelos mas não os miolos...PARTE 1


Denominar  estas tranças  simplesmente de nagô e’ RIDICULO! Digno de riso e merecedor de escárnio.

Sei que na África tradicional tranças teem significados importantissimos e refletem eventos na vida de pessoas. Mas este tipo de tranças são feitas em vários lugares e culturas no continente.

Não pertencem apenas a uma etnia ou área geográfica!

Nagô e’ uma expressão que identifica povos,cultura, saberes e rituais da África do norte (sudão) e do Ocidente , principalmente nas diásporas como Brasil e Cuba.

Ora, os negros do Brasil e de Cuba são de maioria descendentes de povos vindos de Angola e do Congo (bantus)...A escolha de identificar as tranças como nagô e’ de muito mau gosto.

O nagôcentrismo como o racismo e’ estrutural...