"A tartaruga não morde a pata do leopardo"
(dito Nganguela, a propósito da necessidade de respeito para com o chefe)
A ginecocracia representa uma realeza matriarcal ou governo exercido por mulheres, em que o trono ou o poder deve teoricamente pertencer apenas às mulheres e ser transmitido por filiação de mulher para mulher.
Segundo certos autores evolucionistas, este tipo de governo caracterizou uma etapa da evolução política de todas as sociedades. Contudo, se tal facto pode ser praticamente exíguo (ou até mesmo desconhecido) nas sociedades europeias e asiáticas, em África, antes da influência islâmica e católica, ocorreu com frequência, dado que, segundo Cheik Anta Diop, a família africana era toda ela matriarcal com descendência uterina e a mulher, na vida doméstica, era considerada emancipada. Tal como é o facto de África ter atingindo a idade do ferro sem passar pela do bronze – o que não aconteceu nem na Europa nem na Ásia –, a ginecrocracia marcou, também, a singularidade africana, já que o regime patriarcal das sociedades europeias foi sempre caracterizado pela sujeição feminina à superioridade do varão. Na literatura oral dos Nganguela, destaca-se o nome da rainha Danda Candundo e a existência de uma organização social ginecocrática.
O grupo etnolinguístico Nganguela é o mais heterogéneo de Angola e alguns etnólogos, de acordo com José Redinha, chegam mesmo a admitir que estes sejam os “bantu” mais antigos de Angola. Divididos em dois hemisférios, devido à penetração dos Lunda-Cokwe, os Nganguela chegaram a ser tributários dos Lwena, estes, antigos Lunda-Cokwe que adoptaram a língua dos Nganguela. Hoje os Lwena são um sub-grupo dos Nganguela (quase 100 mil) que se distinguiu pela forma como funde o ferro, pelos seus trabalhos em cerâmica negra e polida e ainda pela forte personalidade da sua rainha – Nhakatolo Chissengo –, que, após a independência de Angola, ainda era viva.
Culturalmente são mais chegados às tradições dos povos da bacia do rio Zambeze. Embora oriundos das antigas populações de caçadores, dedicam-se principalmente á agricultura na sua área oriental. Na sua parte ocidental, por influência dos criadores de bois do sudoeste, dedicam-se muito à pecuária. Das suas actividades económicas constam, para além da agricultura e da criação do gado, também a pesca lacustre e a apicultura. Do ponto de vista social predominam nos Nganguela os ritos de passagem masculinos, nas artes praticam alguma escultura e também manufacturam uma curiosa série de máscaras. Os que se encontram dispersos pelas intermináveis planícies orientais, nunca tiveram relações intensas com os portugueses e foram durante muito tempo perseguidos pelos Ovimbundu, Lunda-Cokwe e Ambó.
Uma parte da população Nganguela que, em 1960, correspondia a 328 mil habitantes, situa-se nas províncias do Moxico e Kuando-Kubango na fronteira leste de Angola. A outra parte encontra-se no centro do país, nas províncias de Malange, Bié e Huíla. Segundo Vatomene Kukanda, quanto às variantes linguísticas, este grupo apresenta as seguintes: o lwena, o luvale, o lucaze, o mbunda, o ambwela, o ambwela-mambumba, o kangala, o yahuma, o luyo, o nkoya e o kamashi, na província do Moxico.
O lucaze, o mbunda, o nganguela, o ambwela, o kamashi, o ndungo, o nyengo, o nyemba e o aviko, na província do Kuando-Kubango. O lwimbe, o nganguela, o ambwela, o engonjeiro, o ngonielo e o mande, na província do Bié. O lwimbe, na província de Malange. O nganguela e o nyemba, na província da Huíla.
Filipe Zau | - 02 de Fevereiro, 2010, Jornal de Angola
Foto: Inicio do seculo passado do livro de Wilfrid D. Hambly.